terça-feira, 31 de julho de 2007

Consul - PE


Alberto da Cunha Melo
[Cónsul - Estado do Pernambuco - Poetas Del Mundo]


RELÓGIO DE PONTO

Tudo que levamos a sério
torna-se amargo. Assim os jogos,
a poesia, todos os pássaros,
mais do que tudo: todo o amor.

De quando em quando faltaremos
a algum compromisso na Terra,
e atravessaremos os córregos
cheios de areia, após as chuvas.

Se alguma súbita alegria
retardar o nosso regresso,
um inesperado companheiro
marcará o nosso cartão.

Tudo que levamos a sério
torna-se amargo. Assim as faixas
da vitória, a própria vitória,
mais do que tudo: o próprio Céu.

De quando em quando faltaremos
a algum compromisso na Terra,
e lavaremos as pupilas
cegas com o verniz das estrelas

quinta-feira, 26 de julho de 2007


Amor Ideal

De repente meu subconsciente adentrou-se pelo teu por solos imagináveis. Eram quase existentes.
Mas a mentira era verdade. Eras então meu pai, tão reservado, eu simplesmente tua mãe. Ávida de ti; precisava sempre olhar teus olhos para sentir que estavas bem.
Nossos espelhos se fundiram. E olhamos um para o outro; pais e filhos em pleno resgate milenar.
E queria tanto ouvir dos lábios do meu pai o quanto ele me queria bem. Sem nunca escutar.
Mas, eu como sempre mãe, dizia a toda hora, no vazio de todos os segundos o quanto te amava e se um pedaço de mim se ia cansado, envelhecido, esse outro meu lado aqui ficava.
E dizer de novo como se fosse ainda meu lindo bebê: cuide com carinho porque os meus olhos são os mesmos a te seguir pelos caminhos. Velam por ti.
O espelho do físico se partiu diante da dor da ausência.
Agradeço as palavras que nunca ouvi, porque aprendi a ler a voz do teu coração: dorme querida; só um pouco de sono. Meus braços abertos esperam. Descansa tua dor.
Essa voz suave que nasceu de mim, como se fosse um filho.
Adormecendo temporariamente a mulher e o homem que nasceram para a unicidade.

Verônica Aroucha

03/10/2004

Gaivota Liberdade

Gaivota solitária,
que cruza os céus bailando
e com sua sombra faz desenhos
na areia branquinha da praia,
levas nas asas a liberdade
e sobre a terra a espalha.

Voa gaivota!
que quando para ti eu olhar,
lembrarei que em pensamento
eu posso te acompanhar.

Assim, voarei contigo,
levando em meus lábios
um sorriso amigo.
Farei um abrigo da verdade,
e do meu peito um suave pouso
para a gaivota liberdade.


Gerlane Melo

quarta-feira, 25 de julho de 2007

Quem?


Tenho pressa em ser lenta
Debruçar-me em torno dos restos
Dos rostos
Dos pastos
De mim...
Tenho pressa em sorver-me
Abstrair o meu grito
Deter-me
Tenho pressa em nada ser
Não transparecer nenhuma marca
Provar que não existo

Verônica Aroucha
Reicfe/28/2/2006

terça-feira, 24 de julho de 2007


Canção grata

Por tudo o que me deste
inquietação cuidado
um pouco de ternura
é certo mas tão pouca
Noites de insónia
Pelas ruas como louca
Obrigada, obrigada

Por aquela tão doce
e tão breve ilusão
Embora nunca mais
Depois de que a vi desfeita
Eu volte a ser quem fui
Sem ironia aceita
A minha gratidão

Que bem que me faz agora
o mal que me fizeste
Mais forte e mais serena
E livre e descuidada
Sem ironia amor obrigada
Obrigada por tudo o que me deste

Por aquela tão doce
e tão breve ilusão
Embora nunca mais
Depois de que a vi desfeita
Eu volte a ser quem fui
Sem ironia aceita
A minha gratidão

Florbela Espanca

domingo, 22 de julho de 2007

Caminhando....Barquinho de papel




Olhar


Um espaço imenso nos separava: eu e o sonho. Sonhar acordada com a felicidade é loucura demais.
A minha ficção brincava com o real. Enxergava meus olhos que aparentavam cores; minhas pernas corriam e meu coração se fartava de alegrias em alguns momentos.
Por que então, aquele espaço de medo continuava a me invadir?
Ou eu a ele...
Que importa - estava sempre na minha frente. Compreendi que é a parte irrealizável do meu instante.
Em nenhuma hora, em nenhum passar do tempo eu conseguiria penetrar.
Tal segredo não é permitido aos mortais. Preciso mais e mais. É preciso voar.
Poderia ser uma lagoa, uma cachoeira ou simplesmente um deserto.
Mas eu queria sim penetrar por todos esses segredos do meu universo.
Tudo que temo não ocupa espaço no olhar de outrem...
Mora tudo em mim: barquinhos na água são meus olhos chorando;
Montes verdejantes sou eu também, quando me sinto forte.

Verônica Aroucha
Recife - PE

Entrando no Universo



O Ponto

Somos opostos em quase tudo.
Nada temos em comum.
Salvo em um ponto...
Deixa-me acordar para ter a certeza que uma reta nos une.
Naquele ponto em a gente não enxerga;
Não provém da física, nem da metafísica.
É um ponto tão pequeno;
Uma partícula menor que a um átomo.
É o ponto em que me enquadro e me liberto.
Sem informações intelectuais armazenadas;
Não possuo capacidade de apreensão fácil;
Tenho o tato meio sensorial.
Nada entendo da vida
Da imensidão do cosmo!
Mas, afirmo e teimo:
Um ponto!
Num ponto,
Nos encontramos...
No ponto de teu canto.
Se algum dia, compor alguma música;
Fizer uma poesia, ou escrever um conto
Deixa-me no ponto.
Por ironia, te encontrei em todos os pontos,
Nas linhas retas
Nas curvas
Quando olho a lua...
Na beleza de tudo que existe gravado em mim
Em que ponto meu ficou gravado em ti?

Verônica Aroucha

quinta-feira, 19 de julho de 2007

Brincando na Chuva




Chuva

Chuva pára de chover!
Parece que é a última trilha
Nem sequer molhei os pés...
Chuva pára de chover!
Não vê que fica seca a minha morada?
Tanta água que do céu desce...
parece ser derradeira
Meu jardim em flor...
O amor não secou
A folha fica no chão
A flor ainda em botão
Doida para ver
Viver
Chuva pára de chover
Quem sabe consigo ainda me molhar
Saciar a minha sede
Derreter minhas vestes
Na enxurrada ser levada
Minha última estrada de sol...




Verônica Aroucha

Entre Brancas Nuvens


Cadeira de Balanço

Que dor é essa que cobre meu corpo com casca inexata? Sabe que gosto das cores certas, do conhecimento certo, do alvo certo.
Essa casca que cobre meu corpo não é assim tão dura. Pior é a dureza do coração.
Não acreditar mais nas cores é perder de vista a esperança.
Por que haveria de ser assim?
Tudo bem, eu me descasquei toda; arranquei com as unhas os meus pedaços de cor – eu precisava sobreviver à imensa falta de palavras. Até a rubrica me faria sorrir.
Mas nada chegava nos tempos mornos em que eu suplicava por tua presença
Deus! Que deserto queimou meu corpo. Lá não existia sol. Era deserto de vento.
Arranquei assim, meus pedaços de pele como se quisesse me transformar em uma cadeira. Sem sentimentos.
Como deve ser doce, calmo e bonito um coração sem arranhão. Um coração de criança.
Eu me esforcei – fiz de tudo para não perceber. Mas ela, a dor...Surdina e fria fez de mim assim, uma pessoa parecida, não a uma flor, meu sonho; não a um passarinho, meu ideal...
Ela me fez parecida com uma cadeira:
Forte. Sirvo ainda para embalar um bebê; um ancião. Sirvo de lugar a quem deseja sentar e sonhar, olhando um lindo pôr-do -sol.
Sirvo, sim. Confie – tenho a perfeita solidez...Discreta e pacata.
Se confiasse em mim veria que sirvo de amparo.

Verônica Aroucha
01/12/2006

sexta-feira, 13 de julho de 2007




Sou Duas

Cada dia que passa
Levo-me um pouco
Sim, porque sou duas
Uma vive
Outra morre
E assim mais um dia se vai
Eu cada dia menor
Até voltar a ser criança
Quando então serei uma
E basta.

Verônica Aroucha

Teatro


Meu bem imaginário
Meu canário
Meu anjo
Meu bandolim suspenso
Submerso nos meus porquês de amores
Escassos
Ruídos de chafariz
Correnteza larga
Nas sagas dos trampolins
Tiro certeiro no peito
Meu querer sem ter fim
Mãos que brincam no palco
Gelo no asfalto
Risadas de mim.


Verônica Aroucha

Passando a limpo


A Boneca

Não transparecia forma de gente, de menina.
Não usava tranças, nem pairava em seu semblante um sorriso de tinta vermelha...
Mas era uma mulher, sem textura de carne, sem alma.
Alguém que brincava de raiar que nem a lua cheia
Completa, na sua imensa solidão.
Não havia emoção naquelas pernas irrequietas e mudas.
Era um suave andar na contramão.
Não possuía mãos, eram apenas luvas alvas, com perfume de lenço de adeus.
E coração, não existia também... No lugar, sempre estava um ramalhete de flores do campo.
Flores sempre verdejantes.
Era assim seu alicerce.
Apenas flores e nada mais.


Verônica Aroucha