sexta-feira, 15 de maio de 2009

O Novelo



Naquela altura da vida o medo era um sentimento longínquo. Não caberia sentir. Nem mesmo ansiedade. Como ter medo de viver? A vida passava e muito já se fazia claro, desvendando seu íntimo.
Não era mais criança. Nem mesmo jovem. Era uma mulher vivida pelas luas, sugada pelos momentos a fio. Como se fosse um novelo sem fim. Por que tanto medo? Olhava-se no espelho poucas vezes. Não gostava de mirar-se - nem antes.
Gostava de ser escorregadia, ligeira, se resguardando em si mesma. Melhor dizendo, não gostava. Era. Ela nasceu assim, complicada e tão fácil de não ser nada. A vida lembrava-lhe uma roda gigante e ela não descia nunca. Tão fácil, era só pular da cadeira próxima ao chão, e correr. Correr para encontrar vida. O que seria?
O medo, muito medo. Só faltava um pouco de coragem para tudo se desfazer. Era o momento do inverso, da câmara lenta andando para trás. Não pelas gavetas, fotos. Era outra coisa. Precisava perder o medo, antes que perdesse o trem. Medo de avião é ridículo. Passaria uns dias fora, depois voaria sem dó.
Berenice, não mais Berê, já não chorava. Nem sentia pena. Só perguntava aos quatro ventos, por que o amor acaba? Para onde vai? Some e deixa um precipício, uma cacimba sem água. Dá muito medo.
Alguém, alguém havia lhe dado um abraço. Pequeno aconchego durante uma chuvarada. Deus, o medo, o medo da vida poderia passar. Começou a temperar o feijão, daquele jeito de antes. Com verduras e pouco sal. Cheirava no fogão. Há muito tempo não sentia tanta fome.
Sentou-se perto da porta, afagando os gatos da casa vazia.

Verônica Aroucha